Solitude feliz é semântica triste
Não há evolução emocional que aconteça no espelho.
Tem gente tentando mudar o nome da solidão pra ver se dói menos. Batizam de “solitude”, embrulham em papel de autoconhecimento e colam uma fita com a frase: “estar só é estar em paz”. Mas, convenhamos, solitude feliz é semântica triste.
Nos últimos tempos, tenho visto cada vez mais jovens vestindo essa palavra como quem veste um casaco de grife: com pose, com discurso, com hashtags. E ainda assim, em um canto mais desbotado da fala, lá estão eles, confessando, mesmo que em voz baixa, a falta que sentem de alguém com quem dividir as horas vazias, as vitórias pequenas, as angústias grandes. Falta gente. Falta vínculo. Falta abraço.
Mas aí surgem as desculpas da moda: “tô com a bateria social baixa”, expressão que me faz arrepiar os pelos da alma, ou então a glorificação da tal solitude como se ela fosse medalha de ouro na maratona da saúde mental. Como se estar bem sozinho fosse superior a desejar companhia. Bobagem. Arrogância disfarçada de equilíbrio.
A verdade é que somos criaturas feitas de afeto. Precisamos do outro para nos reconhecermos, para crescermos, para não adoecermos. Não há evolução emocional que aconteça no espelho. É no reflexo dos olhos alheios que nos tornamos melhores. E, paradoxalmente, é aí que mora o problema: todo mundo quer amigos, mas poucos querem ser amigos.
Querem ser ouvidos, mas não ouvem. Querem apoio, mas não sustentam ninguém. Querem presença, mas oferecem ausências. E assim seguimos, colecionando contatos e perdendo conexões, aplaudindo a independência emocional enquanto nos tornamos cada vez mais insensíveis à necessidade básica de partilha.
A amizade, essa coisa tão antiga quanto o mundo, foi parar no cardápio dos aplicativos de relacionamento. Só que lá, sempre há alguém mais interessante a um deslize de distância. O próximo perfil talvez seja mais bonito, mais engraçado, mais… tudo. Resultado: relações que nascem e morrem no mesmo scroll. Um desfile de possibilidades infinitas que nos deixa, no fim, esvaziados. Cheios de opções e vazios de afeto.
Como bem dizem Bauman e Byung-Chul Han, vivemos tempos líquidos e superficiais. Relações descartáveis, onde a profundidade assusta. Onde escavar o outro exige tempo, e tempo virou artigo de luxo. Estamos viciados em conexões rápidas, mas incapazes de sustentar um vínculo que nos leve para além da superfície.
E quando, finalmente, oferecemos nossa amizade, de peito aberto, de alma limpa, muitas vezes recebemos pouco ou nada em troca. Porque o outro não está pronto. Porque não sabe o valor de um amigo. Porque amizade, pra alguns, virou artigo de quinta categoria. Só que, no fim, quem perde não é você. Perde quem não reconhece a dádiva de ser escolhido como porto, como par, como presença.
A amizade é uma forma de amor. Menos barulhenta, mais constante. Mais generosa. Quando falta, não falta pouco. Falta tudo.

